Pousada Aconchego

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Objetos do desejo contemporâneo

 
As histórias ouvidas ou presenciadas por Nadja Camila dariam um livro. Há dois anos, ela trocou o tédio em uma boutique por um emprego que desperta a curiosidade e a vergonha em muita gente: a loira de 27 anos é vendedora em um sex shop de Natal. A convite de um amigo, blusas, calças e vestidos deram vez a chicotes, próteses e gel lubrificantes. Hoje, trava contato diário com pessoas de idades variadas que buscam apetrechos para o sexo, enquanto deixam rastros de uma prática cada vez mais cambiante e livre de impositivos sociais. O que era sujo e proibido virou norma – machos e fêmeas modernos pregam a inovação, a ‘pegada’, a atuação de gala. E, para tanto, todos os recursos são válidos – até comprar bonecas infláveis para simular a parceira insaciável na alcova.
Atrás do balcão da loja Exclusive, em Lagoa Nova, Nadja fala sobre preconceitos que tinha antes de trabalhar com produtos eróticos. “Por incrível que pareça, quem menos procura são os homossexuais masculinos, geralmente mais desinibidos e abertos quanto ao sexo. Mas lésbica tem bastante. A maioria leva alguma coisa de nossa seção de cosméticos, que têm preços a partir de R$ 5. Mas próteses vende bem também. Tanto com vibrador, como sem”. Grupos de amigas surgem com frequência, como uma turnê sensual que promete a satisfação da libido em troca de meras onças pintadas no papel moeda. “O público hoje abriu bastante. Tem gente de 70, 80 anos, de todas as classes sociais, que vem aqui atrás de apimentar a relação”.
Do mesmo modo, tem aqueles que confundem a função de Nadja ou entendem um sex shop como uma clínica psicológica. De ex-padres que gostam de chicotear glúteos alheios, a jovens recém-casadas de 18 anos que antecipam um possível esfriamento com desenvoltura de uma estrela das Brasileirinhas, a vendedora está acostumada a ouvir experiências e até receber cantadas. “Outro dia, um rapaz ficou duas horas e meia falando de sua vida íntima, com detalhes, se vangloriando sobre o que fazia na cama. Depois de muita conversa, ele veio com um papo sobre eu formar um trio com a namorada dela. Tive que ser educada para desfazer a confusão que ele fez”. A velha fantasia de o homem ter duas mulheres como justificativa para a falta de noção.
Fantasias que ganham tom ficcional com uniformes de determinadas profissões. As campeãs são a de enfermeira e colegial para as mulheres, e bombeiros e policiais, para os homens. “Mas a cueca com a trombinha de elefante na frente vende bem”. O fetiche de ver o outro travestido tem um preço. Ainda mais se o casal for junto comprar os adornos. O caso da mulher que, na presença do marido, colheu informações acerca de uma prótese das mais robustas é citado por Nadja como um dos momentos mais constrangedores por que passou. “Vejo de tudo aqui, mas não deixa de impressionar ouvir a esposa dizer que aquilo era para o marido, que ele gosta” – de R$ 30 a R$ 130, você escolhe o calibre do látex; enquanto a boneca sai por R$ 170, e o simulacro de garanhão, por R$ 220.
“Ainda tem muita gente envergonhada de frequentar um sex shop. Alguns entram só para olhar, nem falam comigo. Na hora de ir embora, ficam de olho na rua, para só saírem quando o trânsito estiver pequeno. Eles dizem que têm medo de serem vistos por conhecidos”.  Dizer que está ali para atender ao pedido de um amigo é uma das desculpas mais usadas. Outrora restrito às lojas de roupas íntimas, estabelecimentos voltados para o mercado do sexo viraram uma realidade para o natalense, nos últimos anos. Se a religiosidade e o conservadorismo sufocam os mais tímidos, valores arraigados, como o machismo, impedem a plena realização sexual de mulheres que deixam de apimentar noitadas por deturpações dos cônjuges.
“Tem muita mulher que vem aqui, olha, pega, mas não leva nada para casa porque diz que o marido estranharia, acharia coisa de mulher vulgar”, diz Nadja. A situação é oposta a vivida por Márcia do Nascimento. Com nove anos de casamento, ela assume que a relação está no modo automático – para muitos, momento em que os dois precisam desviar de um iceberg que insiste em crescer no meio da cama.  Publicitária de formação, a paulistana de 43 anos é adepta de “uma prótese média, de gel comestível sabor morango e filmes pornô. Acho que vale tudo para mantermos o sexo em alta, como no começo da relação, quando tudo é novo e desperta a curiosidade. Quando cheguei em casa com os cremes e a próteses, meu marido não gostou. Disse que se sentiria meio traído, como se não fosse ele que me desse prazer”.
Em pouco tempo, Márcia virou referência para as amigas. “Elas me perguntam sobre novidades, sobre o que é melhor para isso e aquilo. A maioria quer saber como ter prazer com sexo anal, como empolgar o marido, seja com fantasias ou estimulantes para ele”. Um desses ‘estimulantes’ é um gel retardante, que promete reunir a força de mil Viagras com uma ereção duradoura e consistente. Nadja diz que foi uma das vezes em que um cliente reclamou de um produto. “Ele esperava que funcionasse por 24h”. Decepcionado com a mágica almejada, o homem sucumbiu à cobrança por um desempenho atlético e redirecionou a frustração contra a substância inibidora de sua fraqueza (física e mental).
Uma das modalidades de compra é o ‘delivery’. Foi a forma que Márcia encontrou para acender a chama que minguava em casa. “Basta ligar que a menina vem aqui com os brinquedinhos. Acho mais prático e privado. Fico mais à vontade para ver e perguntar tudo”. Em Natal, do Alecrim à Ponta Negra, vários sex shoppings adotaram a venda a domicílio. Fruto de mudanças comportamentais, empreendimentos voltados para a extrema intimidade de um ser humano caíram no gosto dos menos simpáticos às convenções morais. Diferente do passado, em que a sexualidade feminina era vista como estéril e indecente, o fenômeno atual parte da desenvoltura das mulheres em procurar novidades e novos caminhos para a satisfação sexual.
Fotos: Canindé Santos
Por: Conrado Carlos - Portal JH
 















Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário.

Post Top Ad

Páginas