A
comissão especial da Câmara que discute Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
135/19, que institui o voto impresso auditável nas eleições, pode votar nesta
segunda-feira (5) o relatório apresentado na semana passada pelo deputado
Filipe Barros (PSL-PR).
O tema
divide opiniões dentro e fora do Congresso. Os maiores defensores da proposta
são o presidente Jair Bolsonaro e seus aliados mais próximos, como o próprio
Filipe Barros. Do outro lado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é quem
apresenta os principais argumentos contra a volta do voto impresso – que acabam
por ser utilizados por parlamentares contrários à proposta.
A
Gazeta do Povo elencou os principais pontos a favor e contra a volta do voto
impresso com objetivo de auditar a apuração das eleições. Confira:
Argumentos contra o voto impresso
Custo
do voto impresso
O que diz o TSE: a
Corte alega que a implementação de urnas do voto impresso traria um custo
aproximado de R$ 2 bilhões aos cofres públicos. Além disso, afirma que a
impressão do voto e a necessidade de ele ser depositado em urnas físicas
aumentaria o tempo médio de votação – o que obrigaria a Justiça Eleitoral a
ampliar os gastos públicos para custear mais urnas, mesários, transporte,
alimentação e suprimentos. Também seria necessário manter uma estrutura física
para guardar os votos impressos.
O
presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, comentou em reunião com
deputados no último dia 21 que a impressora usada nas urnas de voto impresso
auditável precisariam ser customizadas, sugerindo que demandaria gastos maiores
por não serem impressoras disponíveis "numa prateleira". Ou seja, não
haveria hoje um equipamento desses disponível no mercado. "Tem que ter uma
comunicação criptografada da urna com a impressora", afirmou.
O que diz o relator da PEC: o
relatório do deputado Filipe Barros dá ao TSE até 2024 para implementar 100%
das urnas de voto impresso com a abertura total dos softwares e dos
códigos-fonte. E informa que, para 2021, há autorização para a Justiça
Eleitoral gastar R$ 1,19 bilhão destinada a questões eleitorais, sendo R$ 1,04
bilhão para investimentos. Barros destaca, ainda, que "despesas não
recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização de eleições" estão
excluídas do teto de gastos.
Quanto
ao gasto com impressoras modernas para essas urnas mais atuais, o professor
Mário Gazziro, do departamento de Engenharia da Informação da Universidade
Federal do ABC (UFABC), rebate a alegação de Barroso e diz que é, sim, possível
usar uma impressora de "prateleira", que não custaria mais do que R$
100 a unidade.
"Basta
pedir para o fabricante colocar o módulo da impressora dentro da caixa da urna,
acoplada. Assim, a comunicação com a urna não precisa ser cifrada e ainda vai
ficar mais barato porque não vai ter que fazer uma caixa para o módulo da
impressora e o voto sairia por uma fenda de impressão", explica Gazziro.
Dificuldades administrativas e
operacionais
O que diz o TSE: a
Corte alega dificuldades e gastos com a logística de transporte, armazenamento
e segurança das cédulas; montagem de ambientes das sessões eleitorais para a
votação e apuração; treinamento de mesários; e campanhas de mídia para
eleitores com baixa escolaridade.
O
secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Júlio Valente, questionou no
último dia 21 o período e a que condições seriam necessários para garantir a
segurança das urnas. "Por quantos meses e que tipo de armazenamento
necessitamos?", comentou, ao apontar a preocupação em relação a custos com
climatização e segurança.
O que diz o relator: o
parecer propõe a contagem presencial dos registros impressos dos votos pelos
próprios mesários. Seria uma forma para mitigar dificuldades operacionais com o
transporte dos votos impressos para a contagem nos Tribunais Regionais
Eleitorais (TREs).
Além
disso, prevê que o transporte e a custódia das impressões ficarão a cargo das
forças de segurança pública ou das Forças Armadas. Prevê, ainda, o prazo de até
31 de janeiro do ano seguinte para que os votos impressos sejam preservados.
O
professor Paulo Matias, do departamento de Computação da Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar) rebate as alegações do TSE quanto à segurança e
acondicionamento das urnas de voto impresso. "Não é necessário armazenar
os papéis por muito tempo. Pode-se recontar uma amostra estatisticamente
relevante dos votos logo após o término das eleições para conferir a
integridade dos registros até um nível de certeza suficiente para comprovar o
resultado", diz.
Perigo de quebra de sigilo do voto
O que diz o TSE:
desde o insucesso no teste do voto impresso nas eleições de 2002, a Corte
apresenta como argumento que, em caso de pane da máquina para a impressão do
voto, seria a obrigada a intervenção humana para a solução do problema. Essa
intervenção faria com que a pessoa que fizesse isso tivesse acesso ao conteúdo
dos votos.
Além
disso, o TSE alega que o sistema de voto impresso abre brecha para a compra de
votos e de sua comprovação. "Quem comprou o voto pode ir lá conferir se
recebeu o voto da composição inteira e pode combinar com o eleitor de quem ele
comprou voto o seguinte: 'Você vota em mim que sou deputado e anula o de
deputado estadual'. Vou pedir recontagem e vou conferir se você votou em mim
mesmo e fez isso que estou mandando'", explicou Barroso, em entrevista à
CNN Brasil.
O que diz o relator: o
parecer da PEC do Voto Impresso prevê que as impressões de voto deverão ser
depositadas "separadamente para cada cargo" (o que, por outro lado,
poderia atrasar ainda mais a votação e contagem). Mas o relatório ainda deixa
em aberto a possibilidade de se instituir "outra forma [de evitar a
comprovação da compra do voto], desde que garanta o sigilo do voto". Além
disso, o texto tenta estabelecer limites a pedidos de recontagem de votos para
evitar, inclusive, o risco de judicialização.
Quanto
à possibilidade de falha de impressão, o relator da PEC argumenta que a
tecnologia mais atual usa impressoras térmicas que minimizam as possibilidades
de falhas. O relatório cita que, em um artigo escrito por três técnicos do TSE,
os autores reconheceram que a experiência malsucedida em 2002 foi consequência
de "projeto mal elaborado que confundia os eleitores".
Filipe
Barros cita, inclusive, um trecho de uma defesa do ministro Gilmar Mendes, do
Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado alega que "uma boa tecnologia
de impressão pode minimizar as falhas" e entende que "o argumento não
é suficiente" para suspender a aplicação do voto impresso.
Risco de fraude
O que
diz o TSE: a fraude que acadêmicos vêm apelidando de "voto da impressora
fantasma" é o que mais preocupa o TSE – a possibilidade de que a urna
imprima mais registros de voto impresso do que o número de eleitores daquela
sessão eleitoral.
"Se
considero a urna suspeita e, por isso, imprimo os votos para colocar em urna
plástica, e se ela é suspeita, quem me garante que ela não imprime um voto
indevido em algum momento de desatenção do mesário?", explicou o
secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Júlio Valente.
Outro
argumento apresentado pelo TSE é que as urnas podem ser atacadas fisicamente
"com um estilete". Dessa forma, no entendimento da Justiça Eleitoral,
qualquer mesário poderia colocar em suspeição o processo eleitoral.
O que diz o relatório: o
relatório prevê constitucionalmente o voto impresso, mas
infraconstitucionalmente – por meio de uma regra prevista na Constituição que
pode ser alterada futuramente por um projeto de lei complementar – que os votos
terão de ser depositados automaticamente em urnas invioláveis.
Especialistas
reconhecem, contudo, que essa tecnologia não impediria que, se o software for
invadido por hackers – o mesmo discurso utilizado para contestar as urnas
eletrônicas –, registros impressos do voto possam ser depositados
automaticamente. Contudo, existem formas tecnológicas de combater isso, como um
aviso sonoro elétrico a cada voto depositado na urna física.
Quanto
ao argumento de que as urnas podem ser violadas "com um estilete", o professor
Paulo Matias, do departamento de Computação da UFSCar, pondera que as urnas de
voto impresso auditável precisam apenas do mesmo nível de segurança física das
atuais urnas eletrônicas. "Lembrando que ambos os tipos de urna podem ser
roubados ou destruídos por vandalismo", diz ele.
Risco de judicialização
O que
diz o TSE: a Corte alega que o sequestro, roubo ou violação de uma urna, bem
como problemas no transporte dessas máquinas, podem suscitar a suspeição e
fazer com que isso promova a judicialização do processo eleitoral.
O que
diz o relatório: o parecer de Filipe Barros propõe que partidos políticos
poderão requerer a recontagem de votos de uma respectiva seção eleitoral no
prazo de até cinco dias a partir da data da eleição apenas "havendo fundados
indícios de irregularidade na apuração".
Quais são os argumentos a favor do voto
impresso
Auditabilidade
O que
diz o relatório: o voto poderá ser auditável pelo próprio eleitor à medida em
que a urna imprimirá o voto, que será checado antes da confirmação.
Segundo
o relatório da PEC, a apuração dos registros impressos de voto utilizará
"processos automatizados com programas de computador independentes dos
programas carregados nos equipamentos de votação eletrônica" com uma
tecnologia que permitirá a "conferência visual do conteúdo" antes de
sua contabilização.
A
impressão do voto é defendida por especialistas no parecer como a única forma
auditável para pessoas comuns, sem conhecimento em informática e a única
maneira de detectar eventual fraude digital no caso de apagamento completo dos
rastros digitais.
O que diz o TSE: a
Justiça Eleitoral alega que as urnas eletrônicas já são auditáveis. Uma
apresentação feita a parlamentares em junho mostra que a auditagem começa seis
meses antes das eleições, no chamado teste público de segurança (TPS), onde a
comunidade acadêmica é convidada a testar a segurança, e é concluída com os
boletins de urna gerados em cada sessão eleitoral.
Segurança
O que diz o relatório: o
parecer do deputado Filipe Barros aponta que, no teste público de segurança
(TPS) de 2017, duas equipes tiveram sucesso em seus ataques planejados contra
duas urnas eletrônicas. Segundo Barros, equipe da Polícia Federal teve sucesso
em obter a chave geral de criptografia dos boletins de urna lendo o conteúdo do
"flash card" dos computadores, "desmentindo que não poderiam ser
lidos em computadores não autorizados".
"Todo
software está sujeito a vulnerabilidades, e isso não deveria ser uma
surpresa", diz o professor Paulo Matias, da UFSCar. "Minha equipe
invadiu as urnas em testes públicos de segurança promovidos pelo TSE em 2017.
Fizemos execução arbitrária de código, que é literalmente o termo técnico que
utilizamos para descrever a invasão a um sistema computacional."
O que diz o TSE: a
Justiça Eleitoral sustenta que, entre o TPS e a geração dos boletins de urna,
há uma série de etapas adicionais que garantem a segurança do processo
eleitoral. A Corte afirma que garante a abertura dos programas e do
código-fonte nos testes e que a urna eletrônica dispõe de assinatura digital,
além de ter seus sistemas lacrados.
Os
equipamentos ainda passam pelo que a Corte chama de "geração de mídias e
inseminação das urnas" antes de chegar à chamada "zerésima" – o
comprovante que a urna eletrônica imprime, sob comando dos mesários, no dia da
votação, para mostrar que não há votos no equipamento para nenhum dos
candidatos.
De
acordo com o TSE, urnas também passam por testes que garantem sua integridade.
A penúltima etapa é o registro digital do voto (RDV), o voto em si . Cada
registro é criptografado e armazenado em ordem aleatória na urna eletrônica.
Com o fim das apurações, são gerados, por fim, o boletim de urna, que dispõe de
um código QR.
Confiança do eleitor
O que diz o relatório: além
da possibilidade de o eleitor poder checar e, consequentemente, auditar seu
próprio voto, o parecer traz a possibilidade de a apuração ser fiscalizada pelo
próprio eleitor. O texto deixa "facultada a presença de eleitores"; e
TSE teria de regulamentar como isso seria feito.
O
professor Mário Gazziro, da UFABC, elogia a proposta. "Essa prática
aumenta a confiança no eleitor, que poderia vir a participar do processo de
escrutinação, que é público por lei, mas que, hoje, é feito em computadores
dentro de uma sala cofre."
O que
diz o TSE: a ideia de que os próprios eleitores possam ser os fiscais do
processo eleitoral em apuração feita na própria sessão é criticada pelo
presidente do TSE, Luís Roberto Barroso. Segundo ele, "não é possível a
contagem no próprio local".
"Estamos
falando de 150 milhões de votos, de escolas, ambientes que são adaptados só
para o momento da eleição. Não tem como a contagem ser in loco. E, com todo o
respeito, a ideia de contagem pública de 150 milhões de votos é uma volta no
túnel do tempo, contagem manual. É impossível isso, simplesmente isso não é uma
possibilidade real", criticou em audiência pública no último dia 21.
Brasil é o único país que
utiliza urnas eletrônicas sem voto impresso
Mais de trinta países adotaram diversas versões de urna
eletrônica, todas com voto impresso
O Brasil já perdeu há muito tempo o
direito ao ufanismo pela criação da urna eletrônica, em 1996.
Além de usar equipamentos anacrônicos, de 1ª geração, o
Brasil é o único País do mundo a não adotar o voto impresso, entre os que têm
sistema eletrônico de votação.
Hoje, três dezenas de países adotaram diversas versões
de urna eletrônica, todas com voto impresso. Enquanto isso, a urna brasileira
perde espaço.
O Equador, que a utilizou em 2004, optou
pelas urnas de segunda e terceira gerações. A informação é da Coluna Cláudio
Humberto, do Diário
do Poder.
Já há 13 anos, 39 estados dos EUA, 3 do México e várias
províncias do Canadá passaram a exigir voto impresso em urnas eletrônicas.
Até o Paraguai desconfia na urna eletrônica brasileira:
após testá-la entre 2003 e 2006, proibiu sua utilização desde 2008.
Em 2009, a Alemanha proibiu urna
eletrônica sem voto impresso para garantir ao eleitor o direito de conferir o
destino do seu voto.
Em 2011, a Argentina iniciou a implantação de
equipamentos eletrônicos de 3ª geração, com registros simultâneos de voto
impresso e digital.
Fonte: Gazeta do Povo/Poder 360/Diário do Poder
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